O sangue é composto de diversos tipos de células. A maioria delas é benéfica e está na corrente sanguínea para ser transportada para os lugares do corpo em que são necessárias. Outras podem fazer mal. O colesterol e as células de gordura, por exemplo, podem sujar os encanamentos do corpo humano, acumulando-se nas paredes das veias e artérias.
Quando as placas de gordura se rompem, acontece a formação de um coágulo e, se ele alcança as artérias coronárias, impede a chegada de células cheias de oxigênio aos tecidos do coração. A falta de oxigenação provoca a morte do tecido cardíaco, o miocárdio. O paciente sente, na maioria das vezes, uma dor aguda no peito, que irradia para o braço esquerdo. É o ataque cardíaco, também conhecido como infarto, um dos eventos médicos mais traumáticos.
“Uma vez que a célula do coração morre, o organismo a substitui por fibrose, que é uma cicatriz. A especialidade do miocárdio é a contração, e o tecido fibroso não é capaz de fazer isso. Se o infarto acontece em uma área grande do coração, o órgão passa a ter dificuldade de bombear sangue, e o paciente desenvolve insuficiência cardíaca”, explica o cardiologista Gustavo Marques Mesquita, do Hospital do Coração do Brasil, da Rede D’Or.
O infarto é a principal causa de morte no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. Estima-se que, todos os anos, entre 300 e 400 mil pessoas sofrem ataques cardíacos no país. De cada cinco a sete pacientes que infartam, um morre. O atendimento precisa ser feito rapidamente para mitigar os danos – e muitas pessoas demoram horas para procurar um médico, ficam esperando o mal-estar passar, e o coração acaba comprometido.
Porém, na maioria das vezes, o infarto não é o fim da linha. Para os sobreviventes, é essencial mudar de hábitos. Estima-se que, entre os que tiveram ataques cardíacos, a chance de recorrência no primeiro ano é de 3% a 7%. Nos cinco primeiros anos após a emergência, as pessoas infartadas têm risco 20% maior de ataque cardíaco do que o resto da população.
Tratamento, stent e medicações
O infarto é a manifestação da aterosclerose, condição crônica e que não tem sintomas — como acontece com a pressão alta, por exemplo. O paciente, geralmente, descobre que a situação está grave quando ocorre o infarto ou AVC.
Em caso de infarto, o tratamento passa por dois caminhos. O primeiro, mais urgente, ocorre no hospital, para evitar que a obstrução da artéria prejudique ainda mais o miocárdio. Na maioria das vezes, é feito um cateterismo, um procedimento no qual uma mola, o stent, é colocada dentro da artéria para garantir a circulação do sangue. Há também a opção de usar medicação para dissolver o coágulo e restaurar o fluxo sanguíneo, mas essa praticamente entrou em desuso porque o stent resolve mais rapidamente, diminuindo os danos ao coração.
O paciente sai do hospital com a missão de tomar um “kit” quase universal, composto por aspirina diária (que evita a coagulação do sangue) e um medicamento do grupo das estatinas, que controla os níveis de colesterol no corpo. Quando há outras comorbidades, como diabetes, sobrepeso ou tabagismo, elas também precisam ser tratadas.
Se o infarto tiver comprometido uma área grande do coração, o paciente desenvolverá insuficiência cardíaca, condição caracterizada pela incapacidade do órgão de bombear sangue de maneira eficiente para o corpo. A doença, que pode ser desencadeada por outros problemas, afeta cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia.
“O coração fica fraco, a pessoa sente falta de ar e se cansa rapidamente. Com o tempo, o ritmo lento do coração afeta outros órgãos: o pulmão passa a acumular líquidos, o estômago incha, o fígado inflama”, aponta o médico Rafael Cortês, integrante da Sociedade de Cardiologia do Distrito Federal e coordenador de Cardiologia da Rede Santa, também no DF.
Quando o infartado desenvolve insuficiência cardíaca, a medicação aumenta. Ajustes precisam ser feitos para regularizar o funcionamento do órgão e permitir que o paciente tenha uma vida normal. “O coração trabalha como uma bomba, e se ela não funciona direito, começam a aparecer problemas em várias partes do corpo. A medicação é usada para melhorar o funcionamento cardíaco e diminuir o estresse no órgão”, completa Cortês.
Após a invenção e a popularização do stent – método usado pela primeira vez nos anos 90 –, os remédios que controlam a insuficiência cardíaca surgiram como a grande revolução da cardiologia. Além de melhorarem o dia a dia das pessoas com a condição, as medicações aumentaram a expectativa de vida dos pacientes. De tão poderosos, ganharam o apelido de “quarteto fantástico”.
Os primeiros medicamentos revolucionários foram os inibidores da enzima conversora da angiotensina, bloqueadores dos receptores da angiotensina II e os betabloqueadores. A prescrição dessas drogas para pessoas com insuficiência cardíaca reduziu as mortes em até 31%. De oito anos para cá, também foram acrescentados ao tratamento os inibidores da neprilisina que, associados ao protocolo anterior, conseguiram reduzir as emergências cardíacas em mais 20% no grupo de pacientes com o coração mais fraco.
O cardiologista Paulo Caramori, membro do Conselho Administrativo da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), explica que, há 30 anos, o paciente que sobrevivia ao infarto ficava com falta de ar, cansaço crônico, e até precisaria de um transplante com o tempo.
Hoje, o tratamento medicamentoso é mais eficiente. “Os remédios são capazes de ajudar no esvaziamento do coração e diminuem a carga do órgão. Além disso, há vasodilatadores que mexem no metabolismo cardíaco, controlando a frequência e a pressão”, ressalta o médico.
Ainda assim, o paciente vai precisar cuidar para sempre do coração e das artérias, até o fim da vida. O infarto é a manifestação da aterosclerose e, até o momento, não há cura para a condição: ela é considerada uma doença crônica.
Mudanças no estilo de vida
Após um ataque cardíaco, as mudanças no estilo de vida são obrigatórias. Alimentação saudável e exercícios físicos regulares são parte do tratamento. “Não existe pílula mágica que resolva todos os problemas. Uma coisa complementa a outra: se o paciente continuar sedentário, vai seguir agredindo o sistema cardiovascular, e outro infarto pode acontecer”, frisa Mesquita.
O cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do Conselho Diretor do InCor e Diretor Geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo, além de professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), considera que, depois do infarto, é obrigatório que o paciente se empenhe para ter uma vida mais saudável.
“Do ponto de vista cardíaco, é preciso caminhar 30 minutos por dia, passos normais, cinco vezes na semana; não fumar; não beber ou fazer consumo leve de álcool; cuidar da hipertensão e diabetes e comer saudável. A pessoa que infarta precisa disso e de muito mais. A atividade física de cada paciente deve ser orientada pelo médico, dependendo do tamanho da sequela”, aconselha.
Cuidados para o resto da vida
O segundo ou terceiro infarto não são necessariamente piores do que o primeiro, mas é preciso evitar que aconteçam. Se o primeiro evento cardíaco já deixou sequelas, qualquer nova agressão piora ainda mais a situação.
“O coração é um órgão vivo. O corpo se adapta à falta daquela região e desempenha o papel que ela tinha antes do infarto. Mas é uma adaptação que pode levar à falência do coração ao longo do tempo ou determinar um tempo de recuperação maior”, explica o cardiologista Caramori, da SBC.
Os médicos também apontam que, se uma artéria entope, outras provavelmente estão em situação semelhante e podem causar outros infartos a qualquer momento. Por isso, é essencial que o paciente siga as orientações do médico.
Atualmente, a cardiologia defende que a vida da pessoa com aterosclerose e que já infartou não seja mais composta de “não pode, não deve”. Agora, é no sim: sim para a dieta equilibrada, para os exercícios físicos, para o controle dos fatores de risco, para uma rotina saudável.
“As estratégias são para o resto da vida, mas são para fazer a pessoa se sentir melhor. Não deve ser um tratamento sofrido. Ele deve fazer o indivíduo se sentir mais capaz, com mais qualidade de vida, passando mais tempo com a família. O paciente precisa gostar da rotina. Um dia, quem sabe, a gente conseguirá reverter o infarto e tratar só por um período. Mas, por enquanto, quem infarta precisa manter o cuidado para sempre”, aponta o médico.
A morte por infarto
Estima-se que cerca de 14 a 20% dos indivíduos que têm infarto acabam morrendo por causa do evento. Em grande parte das vezes, o paciente é aquele que não acreditou na gravidade dos próprios sintomas e decidiu esperar a dor passar em casa. O cardiologista Kalil diz que mais de 40% dos óbitos acontecem dessa maneira.
“O sintoma muitas vezes é traiçoeiro: o paciente espera aqueles sinais de livro, a dor lancinante que vai para o braço. Mas, muitas vezes, pode ser uma dor de estômago, ou um incômodo que é descartado como estresse ou cansaço e que passa com um copo de água”, explica o médico.
O paciente que chega ao hospital já tem menos chance de morrer, mas é preciso que o centro de saúde esteja equipado para lidar com emergências cardiológicas. Para controlar o quadro, é preciso desobstruir a artéria, seja com um cateterismo ou uso de medicamentos, e nem todo posto de saúde tem o suficiente para socorrer a vítima com a rapidez necessária.
Cada minuto importa — com o passar do tempo, mais células vão morrendo, e o processo é irreversível. Se o órgão fica coberto por cicatrizes, não consegue mais bater. “O infarto é como um incêndio, e ele não é controlado sozinho. Não se espera o fogo baixar, é preciso agir imediatamente. No ataque cardíaco, a assistência deve ser rápida. Em poucas horas, o dano já está estabelecido. Você não deixa um fogo queimando duas horas”, destaca Caramori, da SBC.
Cabeça e coração
A ciência já sabe que a saúde mental influencia a saúde do coração. Um estudo publicado em março de 2023, na revista científica Neurology, mostra que 46% das pessoas que infartaram tiveram distúrbios de humor no ano anterior ao ataque cardíaco. Pacientes com depressão grave tiveram ainda mais chance de sofrer o episódio em um ano e se recuperam pior do infarto.
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, explica que o estresse crônico, a ansiedade e a depressão podem, direta ou indiretamente, elevar os níveis de hormônios como o cortisol, que aumentam a pressão arterial e afetam a saúde cardiovascular.
As condições também se misturam nos genes. Uma pesquisa feita por pesquisadores suecos sugere que pacientes com genes ligados à depressão, ao distúrbio bipolar e ao transtorno afetivo sazonal têm maior chance de sofrer infarto. “Hoje, sabemos que as doenças da mente aumentam o risco de condições cardíacas. É importante cuidar da cabeça”, aponta Kalil.
Os quadros ligados à depressão são cada vez mais comuns também em pacientes que sobreviveram ao infarto. O susto de ter passado por um evento traumático, que pode causar a morte, é suficiente para colocar algumas pessoas em uma espiral de desespero difícil de sair por conta própria. Uma pesquisa de 2018, publicada no Arquivo Brasileiro de Cardiologia, sugere que até dois terços dos pacientes que sofrem infarto têm depressão no primeiro mês após o evento.
Silva, da ABP, lembra que é importante fazer a correlação do quadro com o infarto. “De acordo com o CID 10, a sintomatologia de um quadro depressivo abrange os seguintes sintomas: concentração e atenção reduzidas, autoestima e autoconfiança reduzidas, ideias de culpa e inutilidade, visões desoladas e pessimistas do futuro, ideias ou atos autolesivos, sono perturbado, apetite reduzido, humor deprimido, perda de interesse, prazer e energia”, pontua.
Se os sintomas acontecem após o ataque cardíaco, de forma intensa e persistente por pelo menos duas semanas, atrapalhando o funcionamento diário, é essencial procurar um psiquiatra para fechar o diagnóstico.
O tratamento varia de acordo com o caso e pode envolver psicoterapia e medicamentos antidepressivos, além de mudanças no estilo de vida que já devem ser feitas por quem teve infarto: praticar exercícios físicos, alimentar-se bem e dormir com qualidade.
“A pessoa precisa se dar conta de que ter um infarto não é estar morto em vida. Você pode ter uma vida completamente normal e semelhante à de pessoas saudáveis, mas precisa seguir os tratamentos recomendados. O choque deve ser tratado de um ponto de vista psicológico”, explica Piegas, do HCor.
Um novo grupo de risco: as mulheres
Tradicionalmente, os homens são a maior parte dos pacientes com doenças cardíacas e que sofrem infartos. O estrogênio, o hormônio feminino, protege o coração das mulheres, pois tem função vasodilatadora e evita o acúmulo do colesterol ruim nas artérias coronárias.
Porém, elas também têm artérias de menor calibre, mais propensas a entupimentos. Na menopausa, a queda hormonal aumenta as chances de um evento cardíaco. O estilo de vida também influencia no risco de infarto, assim como entre os homens: sobrepeso, diabetes ou pressão alta descontrolada, sedentarismo e tabagismo são os principais.
“As mulheres também infartam e têm mortalidade alta. Ser mulher não confere proteção para problemas cardíacos, mas como a gente sabe que elas têm uma tendência menor a ter infarto, muitas acham que não é nada quando começam a sentir os sintomas, e também não são bem atendidas pelos médicos, que descartam o ataque cardíaco de cara”, alerta o cardiologista Caramori.
De modo geral, os sintomas típicos do infarto envolvem dor no lado esquerdo do peito com irradiação para o braço esquerdo ou para o pescoço, acompanhada de falta de ar e suor frio. Nas mulheres, a dor no peito é menos comum, e sintomas como dores no estômago, náuseas, cansaço, fraqueza e indigestão podem aparecer.
As sociedades de cardiologia têm chamado a atenção para essa distinção de sintomas entre homens e mulheres, uma vez que o tempo entre o início dos sintomas e o atendimento da emergência é tão importante.